© José Caldeira/TMP / “A·Dentro”, de Mercedes Quijada / Palcos Instáveis
As memórias gestuais alinhavam-se numa coreografia visceral, marcada por baile e canto flamenco, num diálogo com o espectador onde o público e o intérprete nutrem-se mutuamente. Através do seu corpo, a artista explora transformações físicas e materiais de natureza marcadamente ritualística, num cenário onde a terra invade o espaço que o corpo ocupa.
Fortemente influenciado pela pintura tenebrista, e pelos seus temas associados ao sofrimento, à tortura e ao sacrifício, com o seu novo solo, a bailarina andaluza Mercedes Quijada esconde mais do que aquilo que dá a ver. O movimento é confinado numa área não superior ao de um pequeno tablado, onde a iluminação parece resolvida a dar a ver, apenas e só, feridas na escuridão. É do seu corpo que emana o som e o ritmo do espetáculo, e é também do seu corpo que retiramos qualquer imagem ou leitura.
Num espetáculo de grande concentração espacial e visual, Mercedes Quijada cria um rendilhado feito de histórias e emoções transformadas pela necessidade misteriosa de as engolir e guardar adentro, mais fundo, mais longe.
Valendo-se de vivências familiares, e da “escola natural” que preservou o flamenco através das gerações, Mercedes Quijada procura acercar-se das raízes que determinaram a sua, nomeadamente no uso expressivo das mãos, e na forma como a sua vocação percussiva encerra uma herança de desejo e sedução, assim como de violência e servidão.
Marcado pela predominância absoluta do corpo, ou da energia nele contida, “A·Dentro” parece investido de uma vontade férrea de conter as manifestações do corpo no seu interior, e de não permitir qualquer expansão no espaço cénico, que é reduzido a preto sobre preto. Black on black. Como se tudo fosse escuridão, para além das feridas que a iluminam.
Mercedes Quijada
Mercedes Quijada é coreógrafa, bailarina e artista plástica. Nascida em Granada em 1991, formou-se em Dança Contemporânea no Conservatório Profesional de Danza Reina Sofía, em Granada, e na Oficina Zero, no Porto. Entre 2008 e 2015, foi aluna de dois mestres de flamenco, Manolete e Mariquilla, e desde 2017 estuda improvisação com o coreógrafo moçambicano Horacio Macuacua.
Estudou Belas Artes e tem uma pós-graduação em Educação Artística. Desde 2019 vive no Porto, onde investiga a técnica da improvisação e a sua relação com as artes visuais, a voz e a teatralidade.
Acumulou experiência de palco com Eva la Yerbabuena e Victor Hugo Pontes, entre outros, e participou nos projetos “Let’s Dance Europe”, dirigido por DE LooPERS-dance 2gether, “Cova”, de Mafalda Deville, e “Lowlands”, dirigido por Hélder Seabra para a Companhia Instável.
Colabora com as artistas plásticas Luísa Mota (Porto) e Ania Catherie e Dejna Ti (Berlim) e com o programa de formação Oficina Zero. Faz parte do projeto Self-Mistake desde 2021.
Nesse mesmo ano criou “Entre la Pena y la Pared” com Sara Santervás, estreado no festival Súbito, e o solo “BESTA”. Co-criou e dançou o dueto “SELF”, estreado no festival INTERFERÊNCIAS, dirigido por Beatriz Valentim. Em 2023 cria o seu novo solo “A·Dentro” para a Palcos Instáveis.
Dirige “Perforartes”, um programa de propostas de intersecções entre a dança e as artes visuais em diferentes galerias do Porto.
Dança, M6 – 30 min
raizes – flamenco – poesia – viagem – resiliência
Datas anteriores
3 e 4 nov 2023 / Sala Estúdio do Teatro Municipal do Porto Campo Alegre
Criadora e intérprete: Mercedes Quijada
Sonoplastia: ter/rajo
Desenho de luz: Cristóvão Cunha
Olhar externo: Horacio Macuacua
Apoio à dramaturgia: Rui Catalão
Artista visual, figurinista: Andy James
Guitarrista: José Pedro Lima
Coprodução: Instável – Centro Coreográfico e Teatro Municipal do Porto
Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian